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Muito além do carbono neutro:

a grande oportunidade do Brasil para descarbonizar o mundo

15 de setembro de 2023 | Relatório

Beyond
net zero:

Brazil’s massive opportunity to decarbonize the World

13 de setembro de 2023 | Relatório

Sumário Executivo

O Brasil é o país das dicotomias e, em se tratando de descarbonização, não é diferente. Por um lado, o país é o sexto maior emissor global de gases do efeito estufa, com emissões líquidas[1]​ in 2021 de 1,7 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalentes (GtCO2e), ou 2,4 GtCO2e de emissões brutas[2], o que equivale a cerca de 3% das emissões globais. Por outro lado, o Brasil é provavelmente o único país de dimensões continentais capaz de se tornar carbono negativo, o que o torna indispensável na jornada mundial de redução de 1,5ºC estipulada no Acordo de Paris[3].

No Brasil, 75% das emissões brutas vêm do uso da terra, da mudança no uso da terra e florestas (LULUCF), e da agricultura – ao contrário de outros países com altas emissões de carbono, onde os setores de energia, transporte e indústria são os que mais contribuem para as emissões. O desmatamento ilegal é a principal fonte de emissões do país (aproximadamente 1 GtCO2e, ou 40% das emissões brutas), impulsionado por mecanismos de “grilagem de terra”[4]. A fermentação entérica (um efeito colateral da digestão do gado) é a segunda maior fonte de emissões (cerca de 0,4 GtCO2e, ou 14% das emissões brutas), em grande parte provenientes do manejo de gado de corte e leiteiro.

Enquanto isso, as atividades industriais, o transporte e a geração de energia juntos representam cerca de 20% das emissões brutas. As atividades industriais geram cerca de 10% dessas emissões (0,2 GtCO2e), concentradas principalmente nas indústrias de difícil redução, como cimento, siderurgia e petróleo e gás. O setor de transporte representa cerca de 8% das emissões brutas (0,2 GtCO2e), provenientes principalmente do transporte rodoviário, enquanto a geração de energia representa cerca de 2% das emissões brutas, uma vez que o Brasil possui uma matriz energética limpa, com cerca de 80% de sua capacidade instalada envolvendo fontes renováveis. Apesar de suas emissões relativamente reduzidas, esses setores testemunharam o maior aumento percentual no período entre 2005 e 2021, com um crescimento médio acumulado de 40%. Em um cenário de manutenção do status quo, em que não se registram avanços em relação à situação atual, as emissões líquidas do Brasil crescerão 24% até 2050, atingindo 2,1 GtCO2e[5]. Além do cenário de manutenção do status quo, este estudo desenvolveu dois caminhos potenciais de descarbonização para o Brasil: Net Zero 2050 e Green Powerhouse.​ O primeiro cenário modela o que cada setor da economia brasileira deve fazer para zerar suas emissões líquidas até 2050 da forma mais eficiente do ponto de vista econômico. O segundo pressupõe uma velocidade de transição acelerada, alcançando o net zero o quanto antes, de forma realista.

Net Zero 2050: o primeiro passo. ​ Para atingir a neutralidade nas emissões em 2050, o Brasil deve tomar medidas ambiciosas em todos os setores para descarbonizar sua economia. Em primeiro lugar, precisa reduzir o desmatamento ilegal e adotar práticas sustentáveis de manejo do gado. Embora essas duas ações abranjam 80% das práticas necessárias de redução e absorção de carbono, elas não são suficientes: é crucial que o país também reduza as emissões em outros setores. As principais iniciativas incluem aumentar ainda mais a participação de energias renováveis – cerca de 60 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e)[6]​ até 2050 – e implementar cerca de 34 MtCO2e em captura e armazenamento de carbono (CCS). Outras iniciativas importantes incluem a promoção do uso de hidrogênio verde (redução de cerca de 27 MtCO2e) e o aumento da participação de tecnologias sustentáveis de transporte, como veículos elétricos (EVs) almejando uma redução de aproximadamente 25 MtCO2e.

Atingir o net zero até 2050 seria economicamente eficiente: um preço do carbono de cerca de USD20 por tonelada de dióxido de carbono (USD/tCO2)[7]​ seria suficiente para financiar quase todas as iniciativas necessárias (Quadro 1). Esse é um “custo de viabilização” significativamente menor do que o observado em outras regiões. Por exemplo, nos EUA e no Reino Unido um esforço semelhante exigiria preços de carbono superiores a USD100.

Quadro 1

A transição para carbono neutro até 2050 exigiria um investimento anual médio de aproximadamente $80 bilhões[8]. No entanto, parte desse investimento, seria compensado pela produtividade adicional gerada, particularmente no setor agrícola. Nesse cenário, a transição para uma economia net zero poderia contribuir com um aumento de cerca de $34 bilhões no PIB e a criação de até 3,8 milhões de empregos[9].

Um passo além: o cenário do Green Powerhouse.​ No cenário do Green Powerhouse, todas as alavancas disponíveis são implementadas para atingir a neutralidade nas emissões o mais cedo possível e maximizar o potencial de absorção. Esse cenário destaca a oportunidade do Brasil de se tornar o único país de dimensões continentais a alcançar o net zero até 2030 e até mesmo atingir emissões líquidas negativas (-1,7 GtCO2e até 2050, o que equivale a cerca de 50% das emissões atuais da União Europeia), com a capacidade de oferecer compensações a outros países. As principais iniciativas para atingir esses resultados incluem a restauração de 60 milhões de hectares (Mha) de pastagens altamente degradadas, a adoção acelerada de veículos elétricos e a eletrificação da indústria.

Atingir o cenário do Green Powerhouse até 2050 exigiria um “custo de viabilização” de carbono de cerca de US$ 35/tCO2e e um investimento anual médio de cerca de USD165 bilhões até 2050, com compensações dos custos provenientes principalmente da produtividade agrícola. A projeção é de que a transição contribua com até $100 bilhões para o PIB[10]​ do Brasil e crie até 6,4 milhões de empregos[11], mais do que o dobro do cenário Net Zero 2050.

Para capturar todo o potencial dessa oportunidade, o Brasil precisa se envolver em várias transformações complexas. A viabilização da transição exigirá a criação de incentivos econômicos e de mecanismos de financiamento, incluindo a implementação de um mercado regulado de carbono associado a um mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM). Essas ações vão permitir o monitoramento e a precificação das emissões e vão acelerar o debate sobre o artigo 6º do Acordo de Paris e outros acordos bilaterais que potencializam os mecanismos adequados de tributação necessários para dar início ao mercado e garantir a competitividade internacional entre os setores verdes. Além disso, o Brasil precisaria desenvolver e modernizar suas regulamentações a fim de incentivar, facilitar e orientar a transição. Essas regulamentações incluem a implementação de uma lei de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) com métricas claras, metas por setor e curvas de captura; metodologias aprimoradas de monitoramento de emissões; modernização das regulamentações atuais (como o uso eficaz do código florestal, por exemplo); e a implementação e aplicação de uma moderna legislação fundiária. O Brasil precisa criar capacidades técnicas e de recursos humanos para a transição por meio do desenvolvimento de currículos, como programas de doutorado e bolsas e auxílios à pesquisa (como a Embrapa fez para a agricultura, por exemplo). Também precisa requalificar os trabalhadores afetados pela transição, incluindo-os em funções estratégicas, técnicas e operacionais.

Quadro 2

Perfil de emissões do Brasil

O Brasil é o sexto país com maior emissão de CO2 no mundo, atrás da China, dos Estados Unidos, da Índia, da Indonésia e da Rússia. Cerca de 50% das emissões brutas do Brasil estão concentradas no LULUCF, que responde por 1,2 GtCO2e (Quadro 3). O desmatamento do bioma amazônico é a principal fonte de emissões (34% das emissões brutas), sendo alavancado em grande medida pela grilagem ilegal de terras, que é a prática de tomada de posse de terras públicas e/ou não designadas. Estima-se que 94% do desmatamento na Amazônia seja ilegal[12]. Consequentemente, acabar com o desmatamento ilegal no Brasil será crucial para atingir descarbonizar a economia.

Quadro 3

A agricultura é o segundo maior setor em termos de emissões, com 0,6 GtCO2e (25% das emissões brutas). A fermentação entérica na pecuária, que produz ácidos graxos voláteis e gases como o metano, um potente gás de efeito estufa[13], representa a maior contribuição para as emissões do setor, com 0,4 GtCO2e (15% das emissões brutas), sendo a criação de gado de corte a prática que mais contribui individualmente.

Os setores industriais no Brasil contribuem com 0,24 MtCO2e para as emissões de processos produtivos[14]​ (10% das emissões brutas). Quando se consideram tanto as emissões de processos quanto as de energia[15], os maiores emissores são a produção de ferro e aço, o setor de petróleo e gás (0,05 GtCO2e cada um) e o setor de cimento (0,4 GtCO2e).

O setor de transporte é o quarto maior contribuidor para as emissões brasileiras, com 0,19 MtCO2e (8% das emissões brutas). Mais de 90% das emissões dos transportes estão concentradas no transporte rodoviário, alavancado por caminhões (0,09 GtCO2e) e automóveis (0,06 GtCO2e). Essas emissões resultam, principalmente, do uso de combustíveis fósseis (99% das emissões do transporte). Embora o etanol represente 45% do consumo de combustíveis relacionado a automóveis no Brasil, suas emissões são insignificantes quando comparadas com o total de emissões, dada sua circularidade biogênica[16].

No geral, as emissões per capita no Brasil (6,9 tCO2e por pessoa por ano) estão ligeiramente abaixo da média global (7,5 tCO2e) e dos níveis da União Europeia (7,0 tCO2e). No entanto, se as emissões de LULUCF (que normalmente variam ao longo do tempo) forem desconsideradas (Quadro 4), as emissões brasileiras per capita se tornam significativamente menores do que a média europeia (4,9 versus 7,0 tCO2e por pessoa). Na verdade, as variações nas emissões de LULUCF – e, mais especificamente, nas taxas de desmatamento – são fundamentais para se entender o perfil das emissões brasileiras ao longo do tempo. Quando analisados os dados históricos, observa-se uma queda drástica nas emissões entre 2003 e 2009 (-10% a.a.), provavelmente associada a políticas eficazes de prevenção do desmatamento ilegal. Desde então, as emissões vêm crescendo continuamente em linha com o crescimento do desmatamento.

Quadro 4

Ao mesmo tempo, as emissões não relacionadas a LULUCF vêm aumentando continuamente, passando de 0,96 para 1,21 GtCO2e (um aumento de 26%) entre 2005 e 2021. Mais especificamente, as emissões da agricultura passaram de 0,53 para 0,61 GtCO2e (+15%), as emissões da indústria passaram de 0,19 para 0,23 GtCO2e (+22%), as emissões do transporte passaram de 0,13 para 0,19 GtCO2e (+46%) e as emissões de energia passaram de 0,02 para 0,06 GtCO2e (+ 175%). De forma geral, esses aumentos poderiam ser explicados pelo crescimento da economia brasileira, quando o PIB passou de USD0,9 trilhão para USD1,6 trilhão. Portanto, a intensidade das emissões (tCO2e/USD) caiu pela metade no período, de 2,8 para 1,5 (Quadro 5).

Quadro 5

Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil

A NDC é um plano de ação de um país para descarbonizar a sua economia e adaptar-se às mudanças climáticas. Cada participante do Acordo de Paris deve estabelecer uma NDC e atualizá-la a cada cinco anos[17]. A NDC do Brasil compromete-se com a redução das emissões pela metade até 2030 e o atingimento do net zero até 2050. Partindo da linha de base de 2005, o Brasil precisaria atingir 1,7 GtCO2e de emissões brutas até 2030 (redução de 37%) e 1,4 GtCO2e até 2050 (redução de 50%).

Além das metas de redução das emissões, a NDC do Brasil também reforça a disposição do governo de zerar o desmatamento ilegal até 2028. Além da NDC, outras medidas estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente incluem a restauração e o reflorestamento de 18 Mha até 2030, a participação de 50% da energia renovável na matriz energética total até 2030, a recuperação de 30 Mha de pastagens degradadas e o estímulo à expansão da malha ferroviária.

Embora o Brasil tenha definido compromissos de descarbonização de curto e longo prazo, sua NDC fica aquém da maioria dos países pares. Sua segunda atualização, publicada em 2022, demonstra melhorias de pouca importância em relação à versão de 2016. Junto com a da Rússia e a da Nova Zelândia, a NDC do Brasil é classificada pela ONG World Wildlife Fund for Nature (WWF) como uma “NDC que não queremos” (Quadro 6). O WWF avalia as NDCs em relação a um checklist de 20 critérios, dividido em 5 áreas: (1) ambição, (2) estímulo à mudança sistêmica, (3) inclusão e participação, (4) contribuição para o desenvolvimento sustentável e (5) monitoramento do progresso. O Brasil recebeu uma avaliação de “NDC que não queremos” em todas as áreas. Dentre as principais razões para tal avaliação, destacam-se o retrocesso em termos de ambição e metas de redução (em relação à versão de 2016) e a falta de transparência em relação ao plano de adaptação[18].

Quadro 6

Para garantir a responsabilização e a clareza da NDC do Brasil, compromissos setoriais devem ser claramente definidos no documento. Embora iniciativas estejam sendo lançadas para os diferentes setores, elas representam apenas compromissos de caráter não obrigatório. Entre elas, estão o plano da Amazônia (dispositivos contra desmatamento ilegal, incêndios e crimes relacionados à terra cometidos na Amazônia Legal), a iniciativa brasileira para o mercado voluntário de carbono (mecanismos de integridade para projetos voluntários de carbono), o plano federal ABC (incentivos financeiros para a agricultura de baixo carbono) e o H4D (financiamento para hidrogênio de fontes públicas e privadas). As iniciativas também incluem o RenovaBio (política pública que define metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis e estimula o aumento da produção de biocombustíveis), o EnergIFE (desenvolvimento da eficiência energética renovável nas universidades), entre outras.

Cenários de descarbonização

O Brasil precisa empreender medidas relevantes para cumprir os compromissos da NDC rumo à descarbonização até 2050. Em uma projeção de manutenção do status quo, seguindo indicadores macro e um cenário de congelamento tecnológico, as emissões brasileiras cresceriam 24% em relação a 2021, o que resultaria em 2,1 GtCO2e de emissões líquidas em 2050.

Dois outros cenários foram desenvolvidos: o Net Zero 2050, no qual o Brasil consegue zerar suas emissões líquidas acionando as alavancas com melhor relação custo-benefício, e o Green Powerhouse, no qual o Brasil acionaria todas as alavancas disponíveis e maximizaria o sequestro de carbono em apoio à descarbonização global (Quadro 7).

Quadro 7

Net Zero 2050

No cenário Net Zero 2050, são tomadas medidas em diferentes setores para descarbonizar a economia até 2050, priorizando ações de baixo ou nenhum custo, como a redução do desmatamento ilegal e a adoção da gestão sustentável do gado (Quadro 8).

Aproximadamente 80% do potencial de atingir o Net Zero até 2050 está concentrado em LULUCF (incluindo absorções) e agricultura. As emissões resultantes de mudanças no uso da terra representam 49% do potencial de redução, alavancadas em grande parte pelo fim do desmatamento ilegal, enquanto as absorções por meio de soluções baseadas na natureza (NBS) representam 20%, e a redução das emissões na agricultura responde por outros 13%.

Quadro 8

Green Powerhouse

No cenário do Green Powerhouse, todas as ações disponíveis são empregadas para se atingir a neutralidade de carbono o mais rápido possível e maximizar o sequestro de carbono (Quadro 9). Esse cenário destaca o potencial do Brasil de se tornar o único país de dimensões continentais a alcançar o net zero até 2030 e até mesmo atingir emissões líquidas negativas (-1,7 GtCO2e até 2050), com a capacidade de oferecer o sequestro de carbono a outros países. Esse potencial poderia ser capturado principalmente com a eliminação do desmatamento ilegal até 2030, a ampla implementação da agricultura regenerativa – por exemplo, 28,5 Mha de ICLF[19]​ – e o pleno potencial da adoção de iniciativas de restauração (60 Mha) até 2050.

Quadro 9

Análises aprofundadas de diferentes setores

Uso da terra, mudança no uso da terra e silvicultura ​

O LULUCF é, ao mesmo tempo, a principal fonte de emissões brutas do Brasil e sua forma mais promissora de descarbonizar o país por meio de soluções naturais. O setor de LULUCF engloba todas as atividades e práticas de gestão que resultam em mudanças no estoque de carbono em biomassas e solos existentes, bem como a liberação e o sequestro associados de CO2 para a atmosfera e a partir dela[20]. As emissões brasileiras de GEE concentram-se no setor de LULUCF, com 1,2 GtCO2e em 2021, o que representa 49% das emissões brutas do país naquele ano. A principal alavanca das emissões são os níveis de desmatamento ilegal, especialmente no bioma amazônico.

Atingir o status de Green Powerhouse requer um esforço conjunto.​ Para atingir o net zero e ir além dele (atingindo emissões líquidas de -1,7 GtCO2e em 2050), o setor de LULUCF deve contribuir com 3,3 GtCO2e de redução em 2050, por meio de duas ações principais: prevenção do desmatamento (redução de 1,1 GtCO2e) e reflorestamento de florestas nativas e florestamento (absorções de 2,1 GtCO2e).

Enfrentar os problemas relacionados ao desmatamento é uma parte essencial da solução. A rapidez com que o Brasil for capaz de controlar o desmatamento determinará o ritmo em que o país irá alcançar o net zero. O Brasil pode valer-se de mecanismos REDD+[21]​ para financiar e evitar emissões a um custo inferior a USD7/tCO2e.

O setor de LULUCF também pode representar uma fonte de oportunidades na entrega de NBS, como reflorestamento de florestas nativas e florestamento. Além de uma enorme redução de carbono de até 2,1 GtCO2e ao ano, o NBS fornece uma série de externalidades positivas para a sociedade e o meio ambiente, que inclui proteção da biodiversidade, segurança hídrica, criação de empregos e geração de valor econômico.

Sendo um conceito em rápido desenvolvimento, a Agricultura Regenerativa (RA) desempenha um papel estratégico na descarbonização do uso da terra.​ Combinando as melhores práticas na gestão de cultivos com a manejo sustentável de gado, as práticas de Agricultura Regenerativa podem ter impactos ambientais, econômicos e sociais positivos. Estudos de viabilidade econômica da EMBRAPA[22]mostram que, dependendo do modelo de RA, cada USD investido pode retornar USD1,07-1,69 em receitas de ganhos de produtividade em cultivos, produtos de madeira e criação de gado.

É relevante considerar que o Brasil abriga a maior floresta tropical do mundo: a Floresta Amazônica cobre 39% do território nacional[23]. As florestas tropicais são um reservatório natural de carbono, armazenando um total estimado de 120 bilhões de toneladas de carbono no solo e na biomassa acima do solo[24]. O modelo de desenvolvimento histórico da região amazônica[25]​ tem resultado em altas taxas de desmatamento.

Criado pela primeira vez em 1965, o Código Florestal brasileiro estabelece um marco regulatório para a proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, reservas legais, áreas de uso restrito e áreas de exploração florestal e aborda questões relacionadas. No entanto, em 2021, 34% do desmatamento continuaram ocorrendo em áreas protegidas da Amazônia (Quadro 10).

Quadro 10

Abordagem à questão dos grileiros.​ O desmatamento da Amazônia é impulsionado em grande medida pela grilagem de terra, definida como “práticas criminosas de loteamento, desmembramento ou oferta de terras públicas, sem autorização do órgão competente e em desacordo com a legislação[26].”​ A propriedade é normalmente justificada com a derrubada da floresta para produção de madeira e a conversão da terra para outros usos econômicos, em especial para pecuária extensiva.

Duas barreiras relevantes impedem o fim do desmatamento ilegal. Em primeiro lugar, a falta de um banco de dados nacional abrangente dos limites das propriedades (ou seja, um registro de terras) e de uma legislação moderna sobre propriedade de terras; em segundo lugar, o tamanho cada vez menor das áreas de desmatamento, o que as torna significativamente mais difíceis de detectar.

Em seu compromisso nacionalmente determinado junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC, na sigla em inglês), o Brasil se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2028[27]. Para atingir essa meta, será necessário investir em regularização fundiária, zoneamento econômico ecológico, melhoria nas ações de controle, desenvolvimento de mecanismos de pagamento por serviços ambientais (REDD+, por exemplo) e bioeconomia[28].

No cenário do Green Powerhouse, o Brasil pode restaurar economicamente 60 Mha de pastagens degradadas para florestas em seus cinco principais biomas. Essa não é uma tarefa fácil. Embora a restauração de biomas naturais seja uma ciência relativamente conhecida, nunca foi realizada nessa escala. A restauração dos 60 Mha exigirá o surgimento de uma nova cadeia de valor que abranja coleta/produção de sementes, viveiros de mudas, plantação mecanizada, monitoramento da saúde, financiamento de projetos, certificação e verificação, entre outros elementos, para permitir o plantio de uma média de cerca de 1 milhão de árvores por dia de 2024 até 2050.

Embora isso possa parecer uma tarefa hercúlea, é algo com relação ao qual o Brasil tem ampla experiência, desde o aumento da produtividade da soja e do milho, passando pelo crescimento da biomassa para a indústria de papel e celulose e indo até a geração em escala de energia eólica e solar nas últimas duas décadas.

Agricultura

A descarbonização da agricultura pode ser vista como uma oportunidade onde todos saem ganhando.​ Apesar de ser responsável por 25% das atuais emissões brutas do país, o setor agrícola pode contribuir significativamente para a transição do Brasil, com um potencial de reduzir aproximadamente 330 MtCO2e até 2050. Continuando a aumentar a produtividade, implementando práticas sustentáveis e adotando modelos de produção menos intensivos em termos de carbono, o setor pode melhorar tanto a intensidade de emissões de carbono quanto o rendimento da produção. Isso representa uma oportunidade única para os competidores não apenas de reduzir as emissões, mas também de alavancar o impacto econômico e o desenvolvimento social.

A produção pecuária é responsável pela maior parte das emissões da agricultura (75%),​ com a fermentação entérica[29]​ como principal fonte de GEE. Ela representa cerca de 0,3 GtCO2e, uma estimativa de cerca de 50% das emissões agrícolas e 15% do total de emissões do país. Considerando o rebanho bovino do Brasil em 2021, isso equivale a uma intensidade de emissões de 1,5 toneladas de CO2e por cabeça de gado, apenas em metano. As outras emissões são provenientes do manejo do solo[30]e estão relacionadas às práticas de uso da terra, incluindo dejetos de animais depositados diretamente nas pastagens, decomposição de resíduos agrícolas e uso de fertilizantes sintéticos.

As principais alavancas de descarbonização da pecuária envolvem a melhoria das práticas de alimentação do rebanho bovino (aumentar a qualidade do pasto e melhorar o uso da terra, por exemplo) e a melhoria do gerenciamento da saúde do rebanho. Para a mitigação das emissões advindas do manejo do solo, as principais alavancas de descarbonização estão relacionadas à otimização do uso de calcário e fertilizantes. O Quadro 11 descreve as principais alavancas de descarbonização da agricultura.

Quadro 11

A implementação de práticas agrícolas sustentáveis exigirá investimentos adicionais para a adoção de tecnologias e a requalificação da força de trabalho. Considerando as opções disponíveis, a agricultura é o setor com o maior gasto de capital necessário para a descarbonização, respondendo por 63% dos USD 4,9 trilhões necessários até 2050 no cenário do Green Powerhouse.

Aumentar a produtividade e o rendimento é a chave para capturar maiores benefícios. Representando uma vantagem do investimento necessário para reduzir as emissões, a adoção de modelos mais produtivos de manejo do gado pode aumentar significativamente as receitas, fazendo com que as alavancas de descarbonização relacionadas à alimentação gerem valor principalmente devido a ganhos de produtividade em termos de quilogramas de peso corporal ou litros de leite cru produzido. Por exemplo, nos sistemas de pastejo de gado, recuperar pastagens degradadas com forragem de alta qualidade poderia gerar um retorno de USD2,2 para cada dólar investido, por meio do aumento da densidade do rebanho e da intensificação da produção. Ganhos semelhantes são encontrados ao se investir em gado leiteiro por meio da redução do estresse térmico e do aumento do bem-estar dos animais, o que pode levar a um aumento na produção de leite[31].

Viabilização das ações necessárias para acelerar a descarbonização da agricultura brasileira. Para capturar a oportunidade além dos ganhos de produtividade, outras dimensões devem ser abordadas, implementadas e escaladas rapidamente: serviços de extensão, precificação de carbono, investimentos do setor privado, financiamento e prêmios pagos por produtos agrícolas com menor intensidade de carbono. Com esses capacitadores em vigor, agricultores e empresas serão estimulados a investir na redução das emissões em suas respectivas cadeias de valor (inserção[32]), ao mesmo tempo em que geram valor. Uma estreita colaboração com os parceiros ao longo de toda a cadeia de valor é essencial para aproveitar essas oportunidades.

Indústria

Os setores industriais – principalmente os setores de ferro, aço e cimento – são o terceiro maior emissor, representando cerca de 10% do total das emissões brasileiras. De um total de 0,23 GtCO2e de emissões, ferro e aço são responsáveis por cerca de 40% das emissões, enquanto o cimento contribui com 22% das emissões. Essas são indústrias de difícil redução que dependerão principalmente de três soluções de descarbonização: redução do consumo de combustíveis fósseis pelo aumento de alternativas de baixa emissão, como hidrogênio verde e biomassa; eletrificação; e implementação da tecnologia Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono (CCUS, sigla em inglês).

Cada uma das três soluções tem complexidades de implementação que merecem ser consideradas. O uso de hidrogênio verde requer a disponibilidade de energia renovável, linhas de transmissão e infraestrutura de dutos e armazenamento. O uso da biomassa se restringe a locais onde haja um equilíbrio de disponibilidade em escala e considerações logísticas, como a capacidade de usar estradas e ferrovias a distâncias razoáveis. Por fim, a tecnologia CCUS ainda não está madura e exigirá investimentos significativos. Seu uso está disponível somente em áreas específicas – principalmente próximas a poços de petróleo na costa brasileira ou em localidades com agrupamentos (perto de usinas de etanol no Sudeste, por exemplo).

Apesar de não haver metas anunciadas para setores específicos, associações de indústrias como o SNIC (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento), ABHAV (Associação Brasileira de Hidrogênio e Amônia Verdes) e IAB (Instituto Aço Brasil), entre outras, estão publicando estudos e organizando as empresas do setor a fim de implementar ações.

Atualmente, cerca de 95% das emissões brasileiras de carbono advindas do setor de siderurgia vêm de usinas de conversor de oxigênio (BOF, na sigla em inglês), utilizadas em cerca de 74% da produção de aço. A expectativa para o futuro é de que a maioria das usinas BOF no Brasil atinja os prazos de renovação obrigatória na década de 2030, o que apresenta oportunidades de convertê-las totalmente para a rota H2-DRI-EAF[33]ou de implementar tecnologias CCS. Além disso, outros aprimoramentos podem reduzir as emissões advindas do setor de aço, como a substituição do PCI pelo biocarbono para o processo de redução do ferro e do calor.

No setor de cimento, cerca de 86% das emissões de CO2 resultam principalmente do processo de calcinação, que no Brasil é impulsionado em sua maior parte pelo coque de petróleo e por outros combustíveis de baixo custo. O CCUS é a principal alavanca para a descarbonização da indústria de cimento, mas é aplicável apenas a cerca de 40% da produção total. Além disso, combustíveis alternativos (biomassa, por exemplo) também desempenharão um papel fundamental na descarbonização das emissões remanescentes.

O cenário Net Zero 2050 considera um potencial total de redução de cerca de 0,2 GtCO2e com a implementação de um mix de tecnologias nos principais setores. Do total da produção do setor de cimento, o cenário estima que 60% derivariam de biomassa, CCS ou de uma combinação de ambos. Para o setor siderúrgico, espera-se que o CCS esteja implementado em 30% da produção em 2050, atingindo outros 30% da produção por meio da rota H2-DRI-EAF.

Além disso, existe a oportunidade de o Brasil se tornar um competidor global na indústria de metálicos verdes, uma vez que o custo de produção do país para metálicos primários descarbonizados (ferro-gusa verde e HBI verde) é significativamente mais competitivo do que, por exemplo, na Europa, uma vez implementado o CBAM (Quadro 12). Isso não afetaria o perfil de emissões do Brasil, mas poderia ajudar a escalar novas tecnologias necessárias para a descarbonização da indústria.

Quadro 12

Para o cenário do Green Powerhouse, existe uma maior quantidade de alternativas para substituição de métodos de produção estabelecidos. O setor de cimento precisaria aumentar sua adoção de biomassa e CCS. No setor de siderurgia, a maioria das rotas BOF convencionais deve ser substituída por H2-DRI-EAF e melhorada por meio do CCS.

Transporte

As emissões relacionadas ao transporte têm aumentado com o crescimento da economia. O setor de transporte é o quarto maior setor emissor, representando cerca de 10% do total de emissões de GEE no Brasil. Os veículos rodoviários respondem por 92% das emissões do transporte, dos quais caminhões e carros são os emissores mais significativos, com uma participação combinada de 73%.

As emissões do setor resultam, em grande parte, do uso de combustíveis derivados do petróleo (como diesel, gasolina, querosene e petróleo) para veículos rodoviários, e as opções de descarbonização dependem de duas alternativas principais: reduzir o consumo de combustível fóssil por meio do aumento da eficiência energética ou dispor de outras opções de powertrain de modo a evitar os combustíveis fósseis.

O Brasil não tem uma meta específica para a adoção de veículos elétricos, mas já estão em vigor tendências em termos de eficiência de veículos no longo prazo e padrões de eficiência mais rigorosos para motores de combustão interna (ICE). Entre elas estão os programas Rota 2030, PROCONVE (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores) e RenovaBio, este último uma política pública de metas anuais nacionais de descarbonização para estimular o aumento da adição de biocombustível ao diesel.

Os caminhões são responsáveis por 42% das emissões do setor de transporte, e a frota de carga rodoviária no Brasil continuará a crescer nas próximas décadas (Quadro 13). No cenário Net Zero 2050, a descarbonização resulta do aumento na penetração de caminhões elétricos (EV) e caminhões elétricos movidos a célula de combustível (FCEV) (chegando a 15% em 2050), principalmente no setor privado. Ainda neste cenário, o aumento da participação do biodiesel na mistura obrigatória para o país (recentemente definida como 12%, podendo chegar a 15% em 2026[34]) também contribui para a descarbonização.

Quadro 13

No cenário do Green Powerhouse, os xEVs (Veículos Elétricos Híbridos e a Baterias, por exemplo) atingem cerca de 70% das vendas de caminhões novos até 2050, resultando em 2,7 milhões de caminhões nas rodovias brasileiras com tecnologias xEV (cerca de 50% da frota). Isso provavelmente reduzirá a frota ICE baseada em petróleo para 25% em 2050[35].

O segundo segmento que mais emite gases de efeito estufa é o de carros de passageiros. Embora o etanol responda por 45% do consumo de combustível relacionado a automóveis no Brasil[36], ele implica em emissões insignificantes, dada sua circularidade biogênica.

Embora o BEV apareça como a solução dominante de médio a longo prazo para os segmentos de transporte,

a transição poderia ser viabilizada por várias tecnologias, em diferentes ritmos. Por exemplo, etanol e P/HEV[37]​ poderiam servir como tecnologias-ponte relevantes.

No setor de aviação, há compromissos do Ministério de Infraestrutura (2021) de reduzir as emissões de CO2 em 17,2% por meio de ganhos de eficiência no consumo de combustível e do uso de até 50% de SAF[38] até 2050.

Energia

Em termos gerais, há dois tipos de energia renovável: eletricidade renovável (solar e eólica, por exemplo) e bioenergia (etanol, biocombustíveis avançados e biometano, por exemplo). O que torna o Brasil único é sua competitividade nas duas áreas – ou seja, ele pode produzir grandes quantidades de energia a custos competitivos.

O Brasil já possui uma matriz energética relativamente limpa, com cerca de 45% de sua energia proveniente de fontes renováveis. Sua matriz elétrica é ainda mais limpa, sendo que mais de 80% de sua capacidade é renovável (chegando a mais de 90% da geração efetiva de energia em anos considerados bons para hidrelétricas, como 2022). No futuro, podemos esperar que nossas matrizes energética e elétrica se tornem ainda mais limpas: solar e eólica são as fontes mais baratas para expandir a geração de energia no Brasil, e esperamos que a eletrificação da economia se acelere – direta e indiretamente – usando hidrogênio verde e seus derivados. Também esperamos que a bioenergia cresça ainda mais rapidamente no futuro.

Para atingir o cenário Net Zero 2050, o mix da demanda de energia primária deve mudar drasticamente. Em 2021, o Brasil tinha uma demanda total de energia primária de 10 mil petajoule (PJ), segregada pelo uso de biolíquidos (biodiesel, por exemplo), biomassa, biogás, carvão, gás natural, petróleo e renováveis (energia eólica, solar e hidrelétrica, por exemplo).

No cenário do Green Powerhouse, o Brasil poderia atingir 11 mil PJ até 2030 e 12 mil PJ até 2050 em demanda de energia primária (Quadro 14). Isso indica uma mudança geral na matriz energética, migrando para uma oferta mais limpa, uma vez que o Brasil atualmente depende de petróleo e gás natural (para mais de 49% da demanda de energia primária), mas será preciso migrar ainda mais para alternativas de emissões zero, como energias renováveis, biogás, biomassa e biocombustíveis para atingir a neutralidade de carbono até 2050.

Quadro 14

Como mostrado no Quadro 14, alternativas de emissão zero se tornarão uma parte central do mix de energia primária, respondendo por 62% a 73% da demanda total de energia primária, dependendo do cenário. Absorções de NBS permitirão ao Brasil manter a demanda remanescente de combustíveis fósseis, principalmente da indústria e dos setores de energia.

A demanda de energia por aplicação também mudará até 2050. Como podemos ver no Quadro 15, agricultura e edificações irão expandir a demanda total de energia muito lentamente, enquanto indústria e transporte crescerão rapidamente.

Quadro 15

Portanto, para contribuir para um cenário de descarbonização no Brasil, indústrias de difícil redução, como cimento, ferro e aço, petróleo e gás, produtos químicos e papel e celulose desempenharão um papel importante ao eletrificar suas operações e usar biomassa como fonte de energia.

Implicações socioeconômicas

Dado o menor “custo de viabilização” do carbono no Brasil em comparação com outras regiões, o cenário do Green Powerhouse tem implicações importantes para o PIB e o crescimento do emprego devido ao aumento dos investimentos de capex, das economias de despesas operacionais (opex) e/ou da produtividade extra gerada. O impacto econômico e social da transição foi estimado por meio da comparação da diferença entre investimento, opex e produtividade no cenário status quo e nos demais cenários analisados.

O cenário do Green Powerhouse exigiria USD4,9 trilhões em investimentos acumulados entre 2024 e 2050 (cerca de USD 165 bilhões por ano, em média), que seriam compensados principalmente por opex e ganhos de produtividade de USD 3,2 trilhões. As curvas cumulativas encontram-se no Quadro 16.

Quadro 16

O setor econômico com maior emissão – a agricultura, incluindo a pecuária – é o que tem mais a ganhar com a descarbonização. Cada dólar investido na descarbonização da agricultura, em especial na pecuária, rende USD0,9 em opex e ganhos de produtividade.

Como resultado dos investimentos necessários e dos ganhos de produtividade esperados na transição para uma economia com carbono negativo, um crescimento significativo do PIB e dos empregos se materializaria. É provável que a expansão do número de empregos e do PIB permaneça concentrada até 2040, quando é esperada a maior parte dos investimentos. Provavelmente, o crescimento do emprego diminuirá e haverá uma perda potencial em alguns setores da economia na última década da transição. Isso pode ser evitado se as economias advindas da maior eficiência forem reinvestidas na economia.

O crescimento esperado do PIB no cenário do Green Powerhouse pode somar USD 100 bilhões à economia e criar 6,4 milhões de empregos (Quadro 17). Em comparação com a busca apenas pelo cenário Net Zero 2050, o Green Powerhouse requer 1,9 vez mais investimento. No entanto, ele entrega cerca de 2,5 vezes o crescimento do PIB, cerca de 30% de retorno adicional para cada dólar investido.

Quadro 17

Capacitadores da transição

O caminho do Brasil rumo a uma economia de carbono negativo é repleto de oportunidades. No entanto, existem medidas importantes que o país deve tomar para maximizar a escala e o impacto dessa transição. Essas medidas podem ser agrupadas em três áreas principais.

1) Regras, regulamentações e metodologias de mensuração

Uma das principais fontes de emissões de GEE, o desmatamento ilegal da Amazônia, é impulsionada por mecanismos de grilagem de terra, que ocorrem tipicamente devido à falsificação de escrituras e documentos que atestam a propriedade, o que caracteriza a fraude imobiliária. Reforçar a regulamentação e a vigilância atuais com o uso efetivo da legislação ambiental deve inibir o desmatamento adicional, assim como a implementação e a aplicação de uma estrutura legal moderna de propriedade da terra.

Além disso, fortalecer as metodologias de mensuração e monitoramento de emissões é crucial para refletir as verdadeiras emissões e absorções brasileiras. Por exemplo, práticas de manejo do solo da agricultura regenerativa não são consideradas no inventário nacional. Isso representou uma absorção não contabilizada de cerca de 0,25 GtCO2e em 2021. Investir em uma melhor mensuração das emissões de GEE e em medições de sequestro adequadamente ajustadas ao tipo de emissões no Brasil (LULUCF e agricultura, NOx e metano) pode melhorar significativamente a formulação de políticas públicas. Também permite comparações adequadas da intensidade das emissões entre os diferentes setores no Brasil e entre os mesmos setores em todo o mundo.

2) Incentivos econômicos e mecanismos financeiros

A implementação de um mercado de carbono de conformidade (como o ETS – Sistemas de Comércio de Emissões), juntamente com o CBAM, poderia acelerar significativamente a transição para uma economia de carbono negativo. Além do óbvio custo adicional das emissões, três benefícios fundamentais podem ser obtidos. Em primeiro lugar, permitiria ao mercado precificar o carbono de acordo com a oferta e a demanda, alocando capital às alavancas de descarbonização mais eficientes. Em segundo, esclareceria o arcabouço legal, contábil e fiscal das verbas e remunerações, proporcionando fungibilidade e liquidez ao mercado. Em terceiro lugar, possibilitaria o monitoramento das emissões ao longo de toda a cadeia de valor, proporcionando uma provável vantagem competitiva para as exportações, uma vez que muitas das cadeias de valor do Brasil apresentam intensidade de emissões inferior à média mundial.

Para aumentar significativamente os fluxos de investimento para as soluções de NBS no Brasil, o Brasil deve estabelecer um mercado de conformidade, acelerar a promulgação do artigo 6º do Acordo de Paris (e acordos bilaterais associados), implementar um órgão independente de governança (para coordenar o comércio internacional de créditos de carbono de alta integridade) e estabelecer os mecanismos de integridade associados.

Fomentar a criação de mecanismos de financiamento para apoiar a transição, como foi feito para a energia solar e eólica nos últimos 15 anos, pode dar início ao mercado e escala aos setores verdes, visando não apenas a descarbonização da economia, mas também as exportações.

3) Capacidades técnicas e de recursos humanos

Desenvolver capacidades técnicas e humanas adequadas para alavancar a transição é a terceira medida. Capacidades relacionadas à descarbonização precisam ser adicionadas aos currículos do ensino técnico, da graduação e da pós-graduação. Serão necessárias bolsas de pesquisa e incentivos à pesquisa aplicada para acelerar a adoção, criar economias de escala e abordar as necessidades do mercado em relação a melhores processos de verificação e certificação.

Por fim, o impacto social dos caminhos de descarbonização depende da requalificação dos trabalhadores afetados pela transição, incluindo a criação de programas para desenvolver habilidades para papéis estratégicos, técnicos e operacionais. Como em qualquer transição tecnológica, os setores verdes provavelmente alavancarão a criação de empregos, enquanto os segmentos com alto nível de emissões provavelmente enfrentarão uma redução na força de trabalho.

Conclusão

O Brasil pode desempenhar um papel único nas mudanças climáticas devido ao seu perfil singular de emissões e à oportunidade distinta de fornecer ao mundo redução de emissões de carbono, produtos de baixo carbono e soluções de sequestro de carbono necessárias para atingir o net zero de maneira economicamente eficiente.

Embora as avenidas estejam razoavelmente definidas, os capacitadores necessários podem ser desafiadores uma vez que são capazes de gerar maior valor quando acionados em conjunto. No entanto, uma vez instaurados, as vantagens estruturais do Brasil permitirão que o setor privado transforme a descarbonização dos setores em uma oportunidade de negócios bastante atraente.

Essa não será uma tarefa fácil. Mas o caminho é claro e o prêmio é grande – para a força de trabalho, as empresas, a sociedade brasileira em geral e o planeta.

Esses capacitadores exigirão ações significativas dos setores público e privado em um esforço coordenado. Embora sua implementação não seja algo trivial, tais ações serão cruciais para garantir que o Brasil atinja seu potencial como potência global de descarbonização.

O Brasil pode ser o país do futuro, e esse futuro é verde.

About ​ the autors
Nelson Ferreira, Reinaldo Fiorini, Roberto Fantoni, e Wieland Gurlit são sócios seniores em São Paulo, onde ​ Felipe Fava, João Guillaumon, e Mikael Djanian​ são sócios e Luiz Pellegrini é sócio associado. Henrique Ceotto​ é sócio em Belo Horizonte; Daniele Nadalin​ e Tatiana Sasson​ são sócias associadas no Rio de Janeiro e Xavier Costantini​ é sócio sênior em Montevideu.

Os autores também gostariam de agradecer Daniel Cramer, Carolina Viegas, Frederic Blas, Avelina Ivaldi, Ilan Schleif, Erik IJzermans, Sophia Teixeira, Nathalia Geronazzo, Rebeca Orosco, Felipe Modesto e Fernando Mello por seu apoio.

Nota:​ devido ao arredondamento, a soma dos números apresentados pode não representar os totais

Notas de rodapé

  1. GWP AR6; SEEG – Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, Observatório do Clima
  2. Dados do GWP AR-5 foram usados para comparações entre países, por se tratarem das informações mais recentes disponíveis dos diferentes países. Ao longo deste documento, os dados brasileiros do GWP AR-6 de 2021 serão usados para representar a realidade mais recente do país
  3. O Acordo de Paris (também conhecido como “Acordos Climáticos de Paris”) é um tratado internacional sobre mudanças climáticas, adotado em 2015
  4. Grilagem de terras é definido como “práticas criminosas de loteamento, desmembramento ou oferta de terras públicas, sem autorização do órgão competente e em desacordo com a legislação”. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios “Grilagem”, 2017. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
  5. Status quo é o cenário em que, em 2050, não terá havido melhorias na trajetória atual do Brasil, que terá aumentado suas emissões de acordo com o crescimento em uma economia "tecnologicamente congelada", alinhada com os macroindicadores
  6. Potencial de redução até 2050 em comparação com o cenário de status quo
  7. Preço do carbono necessário para possibilitar 97% das alavancas de descarbonização até 2050
  8. Média anual no período de 2023 a 2050
  9. Valor máximo do PIB anual esperado para 2030 e Empregos esperados para 2040. Inclui efeitos diretos, indiretos e induzidos
  10. Valor máximo do PIB anual esperado para 2030. Inclui efeitos diretos, indiretos e induzidos
  11. Valor máximo de Empregos anuais esperado para 2040. Inclui efeitos diretos, indiretos e induzidos
  12. ​ “Desmatamento Ilegal na Amazônia e no Matopiba: falta transparência e acesso à informação”
  13. A emissão unitária de metano equivale a 30 vezes o peso da emissão de dióxido de carbono; IPCC (Segundo Relatório de Avaliação, Quinto Relatório de Avaliação)
  14. Emissões de processo geralmente são emissões resultantes da transformação química de matérias-primas e emissões fugitivas
  15. Emissões de energia são emissões diretas produzidas pela queima de combustível para geração de energia ou calor
  16. CEISE
  17. Organização das Nações Unidas “Net zero by 2035: A pathway to rapidly decarbonize the US power system”, McKinsey, 14 de outubro de 2021.
  18. Avaliação de países pelo WWF atualizado pela última vez em 2020-2022 NDC
  19. Sistemas Integrados de Lavoura-Pecuária-Manejo Florestal
  20. Guia de Recursos de NFCCC. Módulo 3: Inventários Nacionais de Gás de Efeito Estufa para a preparação da Comunicação Nacional das partes não incluídas no Anexo I
  21. REDD significa Redução das Emissões de Desmatamento e Degradação da Floresta, da sigla em inglês
  22. Avaliação econômica de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta: as experiências da Embrapa. EMBRAPA (2019)
  23. Projeto MapBiomas – Coleção 7.0 da Série de Mapas de Cobertura e Uso das Terras do Brasil, acessado em 23/03/2023
  24. https://ipam.org.br/amazonia-acelerada-quanto-tempo-temos-para-reverter-a-devastacao-da-floresta/
  25. SEEG – Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa
  26. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios “Grilagem”, 2017. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
  27. Brasil, Casa Civil “Brasil se compromete a reduzir emissões de carbono em 50%, até 2030” – acessado em 18/07/2023a
  28. MAPA – Plano Nacional de Combate ao Desmatamento (2023)
  29. A fermentação entérica é o processo digestivo que ocorre no estômago de animais ruminantes, produzindo ácidos graxos voláteis e gases como o metano. O metano é um potente gás de efeito estufa com implicações importantes para as mudanças climáticas, principalmente no curto prazo, devido a duas características principais das moléculas: a duração do tempo de permanência na atmosfera e a capacidade de absorver energia.
  30. O manejo do solo inclui emissões de GEE relacionadas a práticas de uso da terra, incluindo as aplicadas à melhoria da estrutura e da fertilidade do solo, e a vários processos que ocorrem no solo, como respiração microbiana, nitrificação e denitrificação.
  31. EMBRAPA (2017), SENAR – MT (2022), Mendal et al (2022), Cowmed (2022)
  32. PLATAFORMA INTERNACIONAL DE INSERÇÃO. Um guia prático de inserção: 10 lições aprendidas e 5 oportunidades de escalonamento a partir de uma década de prática de inserção corporativa, 2022.
  33. Forno elétrico a arco (EAF) para ferro reduzido direto (DRI) verde
  34. Empresa Brasileira de Comunicação (2023). Mistura de biodiesel passa a ser de 12% a partir de abril.
  35. McKinsey Electric Model, McKinsey Center for Future Mobility, pesquisa bibliográfica, ICCT, EV Volumes, IHS
  36. SENATRAN (2022)
  37. Veículos elétricos plug-in e híbridos
  38. Combustível de Aviação Sustentável (SAF, em inglês)

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